O ser humano está sempre em crise.
Ele é crise constante, que não é acidental, mas essencial. O próprio Ser das pessoas consiste de crise – daí a ansiedade, tensão e angústia. O ser humano é o único animal que se desenvolve; que se move, se transforma, que não nasce completo, fechado ou como uma coisa, mas como um processo. Ele está em aberto, seu Ser consiste em tornar-se, e esta é a crise. Quanto mais ele se torna mais ele É.
O ser humano não pode tomar a si mesmo como algo garantido, do contrário a pessoa se estagna e vegeta, e a vida desaparece. A vida somente permanece quando a pessoa está se movendo de um lugar a outro; a vida é este movimento entre dois lugares. Não se pode ficar vivo num só lugar – esta é a diferença entre algo morto e um fenômeno vivo. Uma coisa morta permanece no mesmo lugar; ela é estática. A coisa viva se move – não apenas se move, mas salta. A coisa morta permanece sempre no conhecido e o fenômeno vivo segue se movendo do conhecido para o desconhecido, do familiar em direção ao não-familiar; esta é a crise. O ser humano é o mais vivo.
Você precisa continuar a se mover. O movimento cria problemas, pois ele significa que você precisa seguir morrendo para aquilo que você conhece; para o passado, que é familiar, confortável e aconchegante.
Você o viveu, ganhou experiência, aprendeu muito com ele; agora não há perigo nele, ele se ajusta a você e você se ajusta a ele. Mas o ser humano precisa se mover, precisa continuar a aventura. Você somente é uma pessoa quando continuamente prossegue nesta aventura do conhecido ao desconhecido.
A mente se apega ao passado, pois ela é o passado. Mas seu Ser deseja ir além do passado, deseja investigar.
Seu Ser tem um descontentamento intrínseco que eu chamo de descontentamento divino. Tudo que você tem, você consumou isso; tudo o que você é, você consumou isso. Você deseja ter aquilo que você não tem e ser aquilo que você não é. O ser humano tateia no escuro à procura de mais ser, de um novo ser, de um ser mais rico.
Não é correto dizer que o ser humano nasce em um dia e morre no outro. Isso é verdadeiro em relação aos outros animais, mas não em relação ao ser humano. Animais nascem um dia – eles têm um nascimento – e então um dia morrem. O ser humano está constantemente morrendo e constantemente nascendo. Cada momento é uma morte e um nascimento. Nele, a morte e o nascimento não são opostos, mas são como duas asas de um pássaro, complementares, uma ajudando a outra.
A morte simplesmente ajuda o nascimento acontecer. A morte segue limpando o terreno, de tal modo que o passado possa cessar e o futuro possa ser; a morte está a serviço do nascimento. Na verdade não está correto chamá-los de dois momentos.
Trata-se de um processo visto de dois ângulos diferentes.
É como um portão, de um lado é a entrada e do outro é a saída; ou como a respiração: a mesma respiração entrando é chamada de inspiração e a mesma respiração saindo é chamada de expiração; trata-se da mesma respiração.
A morte é a expiração, o nascimento é inspiração. O nascimento é a entrada, a morte é a saída, mas é a mesma energia de vida, a mesma onda. O ser humano precisa morrer a cada momento e precisa estar pronto para renascer repetidas vezes. Entre essa constante morte e renascimento, está a vida, entre esses dois está o intervalo que é a vida. A vida está entre o passado e o futuro, neste pequeno intervalo chamado presente.
Ele não tem duração, ele existe sem qualquer duração. O passado tem duração e extensão; o futuro tem duração e extensão. O presente não tem duração; ele simplesmente existe… Ele é atômico. Entre o longo passado e o longo futuro existe um intervalo. Conhecem esse intervalo apenas aqueles que prosseguem constantemente morrendo e renascendo, pois eles passam repetidamente através dele. Sempre que se está disposto a passar por esse intervalo, encontra-se uma crise.
A crise é que a mente naturalmente deseja se apegar ao conhecido, ao familiar; ela é eficiente nisso. De alguma forma, ela aprendeu, e a aprendizagem foi árdua; agora de repente, você se move e toda aquela aprendizagem é perdida e nunca será de novo relevante e em nenhuma outra situação terá qualquer significado. Ela somente pode ter significado na situação na qual você viveu. Apegue-se a ela, diz a mente.
Mas o Ser não pode ser contido pela mente; ele é infinito e a mente é uma abertura bastante pequena. O Ser é como o céu – ele não poder ser contido nela. A mente é muito estreita e o Ser deseja sair dela, deseja crescer e se tornar mais e mais amplo. O Ser deseja ir ao recanto mais distante da existência; ele é uma aventura, ele deseja arriscar – esta é a crise.
E cada pessoa precisa encarar essa crise. Existem duas alternativas: devido ao medo você pára de morrer para o passado e fica estagnado. As pessoas chamam suas estagnações de segurança e proteção, mas essas duas são apenas racionalizações para permanecerem estagnadas. Elas se tornam poças ao invés de rios, se encolhem e jamais conhecem a satisfação do fluir. A satisfação é apenas um subproduto do fluir.
Quando o rio flui, há satisfação, há dança, há canção. Quando sua vida flui de um espaço para outro, há satisfação – a excitação do novo.
Pode-se permanecer seguro e protegido com o passado, pode-se evitar a crise, e é isso que milhões de pessoas decidiram. Mas então elas permanecem medíocres e imbecis, apenas envelhecem e não amadurecem. Elas ficam estagnadas; suas vidas se tornam um deserto e elas jamais chegam a ver o oceano.
Somente quando se chega a conhecer e a entrar no oceano é que se sabe o que é bem-aventurança. O ser humano precisa continuamente abandonar o passado e continuar a procura; ele precisa alimentar e nutrir a sua busca.
Mas o ser humano inventou muitas e muitas coisas para evitar isso, ele inventou muitas filosofias. O problema real é somente um: como seguir continuamente morrendo para o passado? Como continuar a permanecer corajoso o suficiente para tomar uma nova vida a cada momento? Como continuar a nascer?
Este problema é evitado pela filosofia; ela fala sobre Deus, sobre o que é a verdade, sobre a criação, sobre o céu e inferno e sobre mil outras coisas.
A filosofia distrai, a teologia engana e a arte decora e consola. A arte é uma espécie de remédio, quando que o necessário é uma cirurgia, não um remédio. Ela é consoladora, mas não transformadora.
Deus não é permanente. Deus é desconhecido. Mesmo aqueles que o conheceram não o conhecem. Quando eles o conhecem, sabem somente uma coisa; que chegaram ao desconhecido.
E esta é a beleza. Certamente Deus é eterno, mas não permanente. Mas a eternidade é um fluxo. Deus está mais na flor do que na estátua que você venera no templo. Ele está presente em cada momento, em cada morte, em cada nascimento.
Deus é mudança, é crise, é caos. Mudança é Deus, pois somente a mudança é eterna.
A verdadeira religião não está preocupada com nada além desta vida. Ela investiga esta vida e encontra o além. A outra realidade não está em algum outro lugar, mas oculta nesta realidade. Esta realidade é a outra realidade! A diferença está na sua visão; se você tiver profundidade, verá que esta realidade é a outra realidade. Isto é aquilo! Este significado do famoso dizer dos Upanixades: “Swetketu, vós sois aquele, Tatwamasi, Swetketu”.
Deus está presente em tudo, é a profundidade de tudo – deixe-nos dizê-lo desta maneira. Deus é a profundidade da rosa, da rocha, do homem e da mulher, do amor, da tristeza, da alegria… Deus significa profundidade. E você só saberá como viver profundamente se prosseguir constantemente morrendo para o passado e nascendo no futuro. Entre esses dois acontece a profundidade e o seu Ser se aprofunda. De repente a porta se abre e você pode ver aquilo que É. Por um momento a mente não está mais funcionando e é abandonada. A nova mente ainda não nasceu e você pode ver a verdade como ela É. Logo a nova mente nascerá, e no momento em que ela nasce ela começa a envelhecer; novamente você terá de abandoná-la.
Isso eu chamo de meditação.
Meditação é uma maneira de encarar a crise real da vida, de encarar o próprio crescimento e as dores crescentes.
(por Rajneesh Osho em A Sabedoria)
Muito bom